sexta-feira, 16 de julho de 2021

 

NOTAS SOBRE O CAMINHO MARTINISTA

             O Martinismo constitui um caminho, um caminhar e uma caminhada interior rumo a compreensão da alma. O Martinismo é herdeiro da Filosofia Antiga. Duma perspectiva que associa Filosofia, Modo de Vida e Experiência Espiritual[1]. Tal como na Filosofia Antiga, ninguém se torna martinista lendo os Livros da Lei, as obras de Saint-Martin, Jacob Boehme, Jean Baptiste Willemoz, Papus, dentre outros nomes do panteão Iniciático Martinista. Caso o irmão dedique horas, dias, semanas, meses e anos a leitura e exegese dos livros desses seres santos e dos Livros da Lei certamente adquirirá erudição e conhecimento enciclopédico; terá facilidade para citar pensamentos ou mesmo versículos dos Livros Sagrados; manterá contato com a trajetória das linhagens iniciáticas e as raízes do baobá das Ordens Martinistas, seus caminhos, descaminhos,  cisões, fusões, acordos e desacordos; escreverá livros, caso deseje, compilando o que encontrou- e assim outro manual martinista vem a público; adquirirá isso tudo se for disciplinado, metódico, diligente, tiver raciocínio rápido e razão aguçada; ousará até ajuizar quais as linhagens martinistas regulares e as espúrias. Enfim, estará com um razoável acervo de informações sobre a história, um conjunto de narrativas e experiências espirituais dos outros.

Nesse momento constata que a interminável pesquisa lhe afastou anos-luz do centro do Martinismo: do caminho do coração. O Martinismo tem o ser humano como o alfa e ômega, começo e fim de todas as coisas. Concebido tal como Microcosmo, o ser humano constitui a pequena cópia do Macrocosmo que, por sua vez, é a cópia do Pensamento da Fonte Eterna de tudo o que existe. Compreender o Microcosmo é a chave para o entendimento do Macrocosmo e, por conseguinte, nos aproximar da Fonte. Portanto, o livro de estudo do Martinismo é o ser humano, o único livro que o Eterno escreveu enquanto imagem e semelhança de Si mesmo.

O trabalho martinista consiste no estudo do ser humano, sua origem, destino e propósito de vida. Por meio disso, clarifica-se a luta irreconciliável travada no coração humano entre a vontade do espírito e a vontade de carne; indica-se o quanto somos ignorantes dessa luta, pois “o bem que eu quero fazer, não faço, mas o mal que não quero fazer, esse eu faço”(Romanos, 7:19); mostra-se que a razão, o intelecto e a mente concreta são recursos limitados e insuficientes para esse estudo. Por fim, compreende-se que a iniciação martinista só é possível abrindo-se o coração da Alma para a divina experiência espiritual.

O Martinismo, tal como as Escolas de Mistério, ensina que toda experiência espiritual é uma iniciação que ocorro no Templo Interior. Momento em que um fragmento de ignorância sai para um raio de luz entrar. A iniciação decorre da experiência espiritual e, quando completada, nos aproxima de nós mesmos e do que somos em essência. Num primeiro momento, tal aproximação, frequentemente, é acompanhada de não aceitação. Isso porque ouvimos do Iniciador: És isso! Ou melhor, nossa alma diz: Eis-me aqui! Entrega-se em holocausto para originar um novo ser. Ninguém é o mesmo depois de vivenciar a experiência espiritual da iniciação. Mas para que isso aconteça, a experiência espiritual, enquanto encontro com o si-mesmo do iniciado, precisa caminhar par e passu com a Oração, o segundo pilar o Martinismo.

O estudo de si, o processo de autoconhecimento, pode nos tornar amargos, céticos, tristes, intolerantes, enfim insuportáveis aos olhos de nós mesmos e de nossos semelhantes. Caso não cuidemos, seremos assaltados pela culpa e exigiremos de nossa versão passada a mesma compreensão que temos hoje de nós mesmos. Assim, começamos a passar nossa vida à limpo. Tal retrospectiva, sem o apoio da oração,  torna-se um tribunal, onde seremos juiz, réu e sentença. Condenaremos nossa ignorância como se a reconhecêssemos o tempo todo. Acreditaremos que tudo que fizemos foi equivocado; que batemos nas portas erradas e não era para termos nos associados a esta ou àquela Escola Iniciática. Como se soubéssemos previamente de tudo.

No Martinismo  a Oração é um exercício espiritual de compreensão e misericórdia desinteressadas. Abre-se o coração e, nós conosco, observamos nossa vida, palavras, pensamentos, ações, sentimentos. Visualizamos o que fizemos conosco; o que semeamos e colhemos. Tudo com um olhar de compaixão, sem julgamento, sem culpa, sem mágoas. Compreendendo que isso tudo, e muitos mais, integra nossa condição humana. Condição humana feita de pó e luz. O pó encobre a luz. Por isso sentimos que a Luz está fora de nós. Cremos que a Luz está acima ou forma de nós.

Lembremos que Oração é Hora da Ação, momento em que nos tornamos instrumento de um Força que age em nós, por nós e através de nós. Acalmando as emoções e eliminando julgamentos. Essa Força se manifesta na Solidão e no Silêncio. Por isso o melhor lugar para oramos é no Deserto; no nosso deserto interior, isolados de qualquer impulso que não seja o da Verdadeira Vontade de encontramos a nós mesmos.  No deserto estamos sós e em silêncio. A compaixão da oração se transforma em Súplica. A Súplica ergue a ponte que liga o coração de nossa Alma a Misericórdia Divina. A ação misericordiosa da Fonte Eterna opera no coração de nossa alma e reafirma nossa Centelha Divina. Realiza-se a invocação do Mestre: “Vós sois Deuses” (Jo.10:34).

Compreendemos assim que o caminho, a caminhada e o caminhante são processos internos que nos aproximam de nossa essência espiritual.  Os graus martinistas são estações nesse caminhar e a iniciação concreta é aquela vivenciada pela Alma. Então perceberemos o quanto somos herdeiros da experiência espiritual dos Filósofos Antigos, pois conhecemos não porque lemos, estudamos ou ouvimos, mas porque experimentamos o Martinismo. E desde então nós e o Martinismo somos um.

  Meditemos

 

Ananindeua, 19 de abril de 2021,

Lua Crescente em Câncer

 

 

Irmão João Peregrino, Loja Martinista Aurora



111 Sobre isso ver: Pierre Hadot, O que é filosofia antiga? São Paulo: Edições Loyola. 2014; Pierre Hadot, Exercícios Espirituais e a Filosofia Antiga. São Paulo: Editora Realizações. 2014.

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